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sábado, 15 de agosto de 2015

Cheiros e ruídos


O entardecer vinha perfumado pelas roseiras. Sempre imaginava que o ar era carregado de pétalas, mas por algum processo, o vento captava, ao passar, apenas o perfume.
Os jardins eram enormes, mas o cheiro das rosas prevalecia. Atrás da casa, sentia-se o odor dos pinheiros e, mais adiante, o dos eucaliptos. As mangueiras só recendiam quando estavam carregadas e no laranjal sempre achei que o perfume era de flor e não de fruta.
Assim cada lugar tinha o seu cheiro peculiar e, quando havia lua, os diversos perfumes pareciam ficar mais fortes, ativados pelo luar.
Dentro da casa, cada quarto tinha o seu perfume (...)
Quando voltava do colégio o cheiro vinha sempre da cozinha. Cada tipo de galinha tinha o seu perfume familiar – galinha assada, de molho pardo, ensopada com mangaritos. O feijão mulatinho recendia sempre. Percebia-se logo a hora em que era refogado, o odor do alho fritando na cebola. Era um cheiro quente.
(...)
A roupa era lavada no grande tanque do Rancho e pendurada em varais intermináveis. Uma boneca de anil pousava sempre na borda do tanque, como uma caixa de Pandora, escondendo o branco. Havia mil odores e mil ruídos – o lavar, o enxaguar, o estender da roupa. Depois, o ferro deslizando na mesa, pousando na lata e a lavadeira soprando. Por fim, o barulho surdo do dobrar dos lençóis, empilhados cuidadosamente e colocados no armário por vovó. Tudo isso mesclado do ruído dos passos, de vozes e cantigas. (...)
De noite, ouvia-se o coaxar dos sapos, silvos de serpente. De manhã era o mugir dos bois abafando o canto dos passarinhos.
(...)


Rachel Jardim - do seu livro Cheiros e Ruídos

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