A sossegada convivência com a doce mãe Natureza
«Temos tido alguns problemas ecológicos graves. (...) A mangueira daqui de casa é um pouco exibida, gosta de aparecer, de maneira que dá duas safras descomunais (quatrocentas mangas em cada, mais ou menos - todo o mundo aqui enjoa de manga e os amigos me evitam, para não ganharem mais mangas de presente) por ano, em épocas que nem passariam pela cabeça de uma mangueira normal. (...) No jardim a situação também é séria e, o que é pior, por culpa minha. Resolvi plantar, junto de uma absurda estátua, cuja origem ninguém da família lembra, intitulada "Verão" embora de aparência feminina e frágil, uma árvore que nem tem nome popular no Brasil. Li não sei onde que essa tal árvore é uma verdadeira maravilha, cresce em qualquer lugar, resiste a tudo e serve para tudo, inclusive para lenha, porque, se for cortada no tronco, cresce de novo ad infinitum.
Chama-se Leucena leucocephala e está sendo usada por alguns plantadores de cacau para fazer sombra aos cacaueiros, pois cacaueiro não gosta de sol. (...) Mal acaba de florar uma vez, começa a florar de novo. Não tem senso de decência. Faz brotos novos, produz vagens e sementes, produz flores e solta folhas velhas simultaneamente, num furor quase visível, coisa impensável entre plantas, pois se existem entes discretos e recatados, estes são as plantas, apesar de certas mangueiras, e, indiscutivelmente, algumas bromélias e girassóis.» (*)
João Ubaldo Ribeiro, Arte e ciência de roubar galinha (1998)
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